Texto - Mia Meneses

Encenação e interpretação - Mia Meneses e susana m. g. silvério
Sonoplastia - Afonso Albuquerque

BLOCO 11

«O corpo não reflecte a pessoa que o habita.» Despojados das camadas que nos tornam gente, só nos resta a dança. A dança liberta- nos da condição. O movimento é liberdade. 


Sabia que queria trabalhar o corpo, porque ainda é uma questão sobre a qual me debruço, penso e escrevo sobre. Ainda há muitas sub-questões que precisam ser tratadas e faladas.

À nossa volta, o mundo cria mecanismos de recusa de certos corpos. Como se não pudéssemos existir juntos e o corpo só pudesse viver nessa forma de delírio utópico que o mundo lhe inflige. Assim, vivemos um processo de extermínio silencioso em que somos constantemente marginalizados por não correspondermos a uma norma, ela sim, verdadeiramente doente.


É sobre a nossa identidade que esse extremínio age, reduzindo-nos a um estado de insignificância, empurrando-nos para as margens onde a toxicidade nos deixa num campo de batalha, que nos obriga a escolher entre desvanecer pela submissão ou existir na revolução.

Quando comecei a pensar este projecto, via-o só como projecto de dança. Mais tarde fez-me sentido ter voz e comecei a escrever um diálogo. Não descobri logo sobre o que me era urgente falar, até que cheguei à liberdade. A liberdade é uma urgência.



O desafio é agora duplo: coerência entre voz e corpo. Voz como extensão do movimento corporal. Tentar libertar o corpo através da dança. Usar a frustração do movimento preso para o tornar fluído.


Este trabalho é sobre o corpo. Sobre o que é ser um corpo marginalizado por ser diferente. Um manifesto que recusa a hierarquização da deficiência e a visão do corpo que dança.


A fragilidade de um corpo pode ser ao mesmo tempo aquilo que ele tem de mais poderoso e forte.

A condenação do corpo é sempre feita pelo olhar do outro.
 A sede de liberdade é maior que o medo da morte.


© Tânia Araújo